segunda-feira, 22 de junho de 2015

Deus de Israel e o Deus dos cristãos


           É muito comum nos depararmos com a seguinte afirmação: Deus era uma pessoa no A.T e é outra no N.T. Afirmação como esta faz parte da reflexão teológica de muitos leigos e de muitos teólogos-pastores espalhados pelo país a fora. Entretanto, para nós, não há como fazermos esta subdivisão, um Deus que agiu em Israel e um Deus que age em meio aos cristãos, a ação de Deus na história é indivisível, Deus é um Deus participante e atuante na história da humanidade e não há possibilidades de fragmentarmos a ação dele.
Se existe alguma possibilidade de se fazer uma divisão em dois blocos da história, ou seja, um Deus de Israel e um Deus dos cristãos, esta divisão não tem origem na pessoa ou ação divina, mas na leitura que o ser humano fez em relação à revelação deste Deus.
É evidente que não podemos deixar de levar em consideração que, no Novo Testamento, a encarnação de Jesus torna-se um novo paradigma para que se conheça e compreenda a salvação que o mesmo Deus trouxe a Israel e a todos os povos. Entretanto, a encarnação e a imagem de Jesus, em nada se distanciam da imagem do Deus de Israel, visto que é o próprio Deus quem envia seu filho e na perspectiva da teologia trinitária é o próprio Deus quem se encarnou, ou seja, Jesus existe desde o princípio e tudo o que foi feito teve inexoravelmente sua participação. Esta é, sem dúvida, outra fundamentação teológica para afirmar que não podemos fragmentar teologicamente a história; o Deus de Israel é também o Deus cristão, pois Jesus existe desde o princípio.
Deus é o criador supremo, que criou todas as coisas em amor. Numa linguagem bíblica e simbólica, colocou o ser humano num belo jardim, lugar onde ele concebeu todo o necessário para a sobrevivência da criação. É também um Deus que levou em consideração a liberdade humana, permitindo até mesmo o pecado, um ato contra sua santidade. Contudo, mesmo com o pecado e a liberdade que concedeu ao ser humano, jamais deixou de ser um Deus que em todo tempo e o tempo todo tem participado da história humana e demonstrado todo seu amor e cuidado para com ele.
Portanto não há possibilidades de fragmentar este Deus. Ele é quem criou a humanidade no princípio e quem tem sustentado esta humanidade até os dias de hoje. Ele é quem chamou e vocacionou pessoas no passado, como: Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e é quem continua chamando e vocacionando pessoas até o dia de hoje. Ele é quem levantou profetas para denunciar as injustiças sociais, política, religiosa, ou seja, denunciar o pecado, e quem também levantou a igreja hoje para assim fazer da mesma forma.
É ele quem inspirou pessoas para ouvir e anunciar as promessas de esperança e de um novo reino no passado e é ele que continua alimentando estas mesmas promessas ainda hoje na vida dos cristãos.
Sendo assim, para nós, é impossível falar em duas diferentes perspectivas deste Deus. Como nos apresenta a linguagem bíblica: ele é o alfa e o ômega, o princípio e o fim; bem como é aquele que era, que é, e que há de ser por toda a eternidade.  Um Deus único e indivisível na relação com sua criação.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

NÃO SOU JUIZ, MAS SERVO





“Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” Mt.6.12.

O cristianismo tem por fundamento Jesus, o messias, o Cristo de Deus. Ainda segundo o cristianismo, Jesus é o filho de Deus, segunda pessoa da santíssima trindade e, sobretudo, o Deus encarnado. Estas e outras concepções é fruto de uma leitura milenar da Bíblia, livro que contém as revelações de Deus na história, bem como a revelação do filho, “expressão exata do ser de Deus”.

Há muitos caminhos para a leitura da Bíblia, pois ler e interpretar passa pela minha subjetividade, minhas experiências, meus anseios e, por isto, a Bíblia sempre foi um paradigma importante no movimento da história, da cultura de um povo, nas relações sociais, relações politicas e relações religiosas. Pelo viés da interpretação bíblica se condenou a mulher, o índio, o negro, o pobre, o rico.

Contudo, frente aos fatos e aos posicionamentos destes últimos dias, fico me perguntando se Jesus está dividido ou se as lentes para interpretação dos textos bíblicos estão desfocadas?

Se partirmos do pressuposto de que na Bíblia encontra-se o fundamento de nossos argumentos para julgarmos ou punirmos o comportamento moral e ético de quem quer que seja, talvez estejamos sendo injusto ao texto e ao Senhor implícito na mensagem dele.

A oração do Pai nosso é parte importante na liturgia dos cultos cristãos. Para mim, esta oração transcende o ato subjetivo de tão somente se dirigir a Deus uma palavra de oração; ela traz em seu conteúdo imperativos de natureza prática.

Para Jesus, no evangelho de Mateus, alguém somente será perdoado se perdoar- Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores- não pode ser perdoado por Deus àquele que não perdoa seu irmão.

Certamente, Jesus tinha muitos motivos para incitar o perdão aos seus discípulos. O contexto em que Jesus está inserido é de total exclusão, punição, desigualdade. Os pobres, os doentes, os impuros, eram condenados pelos juízes da religião. Desta forma, não tenho dúvidas de que os discípulos esperavam ouvir da boca de Jesus que, mesmo odiando, mesmo excluindo, mesmo julgando, mesmo oprimindo, eles ainda assim poderiam ser perdoados por Deus. Entretanto, Jesus é incisivo em dizer, quem não perdoa e, consequentemente, quem não cuida, quem não ama, não pode ser perdoado.

Por isto, os capítulos 5 e 6 de Mateus são tão explícitos em afirmar que os discípulos de Jesus devem ser avessos ao sistema. Textos como: “porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (5.20); “porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo”? (5.46-47) De fato, textos como estes traduzem o que estamos afirmando, ser discípulo de Jesus é quebrar paradigmas e dogmas impostos pelo poder vigente.

Portanto, condenar um transexual pelo uso de um símbolo do qual o cristianismo se apropriou é fazer do cristianismo uma religião apenas da moral e não do amor. Ser discípulo de Jesus é algo complexo não só porque devemos cumprir com a lista dos não (plural), mas por ter que seguir os dois sim- ame a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Julgar, condenar, excluir, oprimir é sempre o mais simples para seres maus como nós, difícil mesmo é viver o avesso, assim como Jesus viveu.

Com este texto não quero propor uma única chave de interpretação  para a oração do Pai Nosso, mas dizer que nesse versículo e em toda a Bíblia, só consigo enxergar um Deus que decidiu amar e cuidar de pessoas; enxergar um Deus que não leva em consideração a cor, a classe social e, inclusive o gênero; só consigo enxergar um Deus que desceu para salvar pessoas desprezíveis como eu e você; por isto, não sou juiz, mas servo deste Deus de amor e graça.

“Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” Mt. 5.39