domingo, 9 de novembro de 2014

JOSÉ: A VERGONHA EM PROL DO AMOR


Qualquer indivíduo que se proponha a ler o Novo Testamento é comum que inicie pelo primeiro evangelho, isto é, o evangelho de Mateus. De fato esta afirmação não é a regra, tendo em vista que cada evangelho e os demais livros da Bíblia têm autonomia e identidade própria.
Por outro lado, leitores assíduos da Bíblia, tendem a conhecer os temas e as ênfases de cada evangelho devido a recorrente meditação. Conhecem as estruturas dos livros, em que capítulo localiza-se cada tema e, por isso, tendem a generalização dos textos e das ênfases de cada autor.
Após a genealogia de Mateus, segue-se a história de Maria e José; história que também encontramos em Lucas (1.26), mas não encontramos em Marcos e João. No entanto, é evidente a singularidade de cada evangelho, ou seja, temos duas narrativas semelhantes, mas com ênfases diferentes. Sendo assim, queremos chamar atenção para a ênfase de Mateus, com relação à vida de José- pai de Jesus, na qual não encontramos em Lucas.
Assim nos diz Mateus: “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco). Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus”. (Mat 1:18-25)
As ênfases em relação ao comportamento de José, não se encontra no evangelho de Lucas. Assim, cabe ao leitor destes evangelhos perguntar: Por qual motivo isto acontece? Certamente a resposta é que Mateus tinha muito mais a dizer sobre José do que Lucas, ou seja, o comportamento de José tinha mais a ensinar a comunidade de Mateus do que a comunidade de Lucas.
Mateus escreve a uma comunidade de Judaizantes, isto é, judeus que se converteram ao Senhor Jesus. Entretanto, ainda era uma comunidade muito influenciada pela cultura e pensamento judaico. Seu evangelho, e especialmente a narrativa acima, tem objetivos específicos quando relata que José não havia despojado (relação sexual) Maria, mas que ela encontrava-se grávida. Sobretudo, quando enfatiza que José arquitetou um plano para deixa-la secretamente. Portanto, cada ênfase sobre a vida e comportamento de José carregam objetivos específicos para a comunidade de Mateus.
A narrativa diz que a intenção de José era não infamar a mulher que ele amava. Esta atitude revela uma mensagem brilhante, pois abandonando José sua esposa, a sociedade não atentaria tanto para o fato de uma jovem “virgem” ter engravidado, mas atentaria para o fato de um judeu ter engravidado sua esposa e secretamente abandona-la, demonstrando covardia. Portanto, a intenção de José era transferir as calunias e condenações que seriam atribuídas a Maria. Mais do que isso, por uma questão de raciocínio lógico, os judeus concluiriam que Maria havia traído José com outro homem e, segundo a lei, deveria ser apedrejada e morta. Assim, com a fuga, José livraria Maria desta condenação. 
Portanto, uma hermenêutica possível para a ênfase de Mateus, seria instruir os judaizantes para que atentassem para a necessidade de proteção e de amor para com as mulheres. Numa sociedade patriarcalista e machista, José poderia ser vítima nessa história; entretanto, sua atitude foi de preservar a mulher que amava. Sofreria vergonha em prol do amor por Maria.
Ao sonhar com o anjo do Senhor, José desistiu da fuga; resolveu enfrentar a vergonha cultural e religiosa em prol da ação e dos planos de Deus. Após ser constrangido pelo anjo, não hesitou em assumir seu propósito, pois “tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)” (Mat 1:22-23). José aceitou Maria, tomou sobre si a vergonha e não se importou com as possíveis calunias que seriam desferidas pelos judeus, antes prosseguiu por amor a obra de Deus e a sua amada. Confiou nas palavras do anjo, e não se importou com o que a sociedade diria a seu respeito.
Assim sendo, uma hermenêutica possível em relação a esta ênfase de Mateus, seria desafiar a comunidade de judaizantes a sofrer a mesma vergonha em prol do amor por Cristo e dos planos de Deus. Certamente, estes judaizantes foram envergonhados e perseguidos pela ortodoxia judaica, e o desafio de Mateus era fazer com que permanecessem fiéis ao Senhor, mesmo que para isso fossem envergonhados, assim como foi José.
Os evangelhos, para nós cristãos, são considerados palavra de Deus. Assim, estas mesmas ênfases e objetivos de Mateus em relação aos judaizantes, trazem profundas lições para nós, igreja do Senhor Jesus.
José tomou sobre si a vergonha para preservar sua noiva Maria. Da mesma forma, a igreja do Senhor Jesus é chamada nas Escrituras de Noiva do Cordeiro (Ap.19.7; 21.2,9). Também, José ouviu as palavras do anjo de Deus e, por amor ao Senhor, aceitou os seus planos. Assim, duas perspectivas devem ser objetos de nossa reflexão:

  • ·         Até que ponto estamos dispostos a lutar e se envergonhar por amor a igreja (noiva de Cristo).
  • ·         Até que ponto estamos dispostos a se envergonhar por amor a Deus e ao seu Reino.
Para Mateus, a vergonha faz parte da realidade daqueles que amam o Senhor Jesus. Por outro lado, entende que são “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus [...] Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados são quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós (Mt.5).  

    
   





  






terça-feira, 4 de novembro de 2014

CONVERSA TEOLÓGICA ENTRE PAI E FILHO





Filho: Papai, por que é que nós vamos à igreja?

Pai: Porque a igreja é a casa de Deus.

F: Mas as igrejas são muitas, qual delas é a casa de Deus mesmo? Ninguém pode morar em muitas casas ao mesmo tempo.

P: Deus pode, ele mora em muitas casas ao mesmo tempo.

F: Ele mora inteiro em cada uma delas, ou só um pedaço?

P: Mora inteiro, Deus não tem pedaços.

F: Se a igreja é a casa de Deus, quer dizer que fora da igreja, Deus não mora?

P: Não, Deus mora em todos os lugares.

F: Também na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos?

P: Sim, também na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos.

F: E na nossa casa, Deus mora lá também?

P: Na nossa casa Deus está sempre.

F: Se Deus está sempre na nossa casa, na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos, então todo lugar é a casa de Deus. Se todo lugar é a casa de Deus, porque é necessário ir a igreja para encontrar Deus?

P: Na igreja Deus é mais poderoso.

F: Então há lugares em que Deus é mais poderoso e outros lugares onde ele é menos poderoso?

P: Sim, há lugares onde Deus é mais poderoso. Nos lugares onde Deus é mais poderoso é mais fácil acontecer milagres. É por isso que as pessoas de fé fazem longas peregrinações a pé, a cavalo, de ônibus, de avião, aos lugares onde Deus é mais poderoso, para receberem milagres.

F: É pra receber milagres que as pessoas procuram Deus? Se Deus não fizesse milagres as pessoas continuariam a procurar Deus?

P: Bem...

F: O Deus mais fraco é o mais fraco mesmo? Ele é mais fraco que o Deus mais forte? Então o Deus mais forte é mais Deus que o Deus mais fraco? Reza que se faz em casa é mais fraca? Deus atende menos?

P: ...

F: O Deus mais fraco é tanto Deus quanto o Deus mais forte?

P: Sim, ambos são Deus.

F: Eu pensava que Deus era forte sempre, igual, na lua, na rua, na igreja, na casa, na favela, nas prisões. Deus está também nas prisões?

P: Deus está em todo lugar. Também nas prisões.

F: Se Deus é tão forte e pode ser tudo o que deseja, porque ele não faz os maus ficarem bons? Se Deus está junto com eles, nas prisões, eles deveriam ficar bons...

P: Isso eu não sei...

F: Eu gostaria que Deus estivesse com a mesma força em todos os lugares. Se Deus é todo-poderoso e sabe todas as coisas, ele não poderia ter evitado o tsunami, os furacões, os terremotos, a corrupção? Vejo na televisão, homens corruptos fazendo peregrinações...

P: Filho, estou com fome. Vamos comer um hambúrguer com Coca-Cola?

(Extraído do livro: o Deus que conheço-Rubem Alves

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

EXÍLIO E OS PROFETAS

Aproximamo-nos de dias decisivos para a nação e ao que tudo indica uma nova voz é ouvida. Há relatos bíblicos que fazem sentido apenas na Bíblia, não recebem o realismo que lhes é devido, mas quando ganham vida na realidade hoje, são tão reais como o foram para os nossos primeiros irmãos na fé.   
O exílio do 6º século é mais próximo da nossa realidade do que imaginamos. Ao compreender suas motivações, concluímos que também vivemos em exílio. A trajetória de fracassos de Judá e Jerusalém, que sucumbiram em relação às grandes potências da época, exemplifica como ainda hoje somos subjugados pelos ainda colonialistas e imperialistas não-existentes (existem, mas não se mostram).
Como nação, vivemos hoje as mesmas expectativas do exílio, a retomada da terra: uma terra livre, uma terra boa. Mas, infelizmente, o que vemos é o vale de ossos secos: muita fome, muita dor, muita injustiça social, muita morte e muita desesperança. Entretanto, como no vale dos ossos, a esperança se dá pelo Espírito profético, aquele que denúncia e ordena em nome de Deus.
Clama-se por um novo caráter, uma nova visão, um novo coração, uma nova terra e uma nova criatura. Nosso futuro não será uma retribalização, mas uma democratização do conhecimento, dos recursos básicos, dos meios de produções e do trabalho justo. Não podemos simplesmente transferir nossas utopias para as Escrituras e esperar, é preciso agir a partir da releitura responsável delas, a partir da fé que encoraja. Precisamos encontrar esperança nos ensinos e aplicá-los ao contexto atual. 
Precisa-se urgentemente alinhar nossa história ao movimento histórico de Deus no mundo. É preciso perceber o desabrochar dos mistérios divinos na realidade, é preciso perceber um Deus atuante e descontente com a realidade.
Houve muitas divergências entre os remanescentes com relação ao futuro, hoje também vivemos e sofremos pela falta de convergências nas utopias. Algumas são muito bem aceitas, enquanto outras são demonizadas. O pragmatismo exacerbado de nosso contexto é um dos culpado. Mas não há pragmatismo sem que por detrás dele não existam desejos e interesses pessoais. É preciso convergir às utopias, saber o que queremos, saber o que precisamos e saber o caminho a percorrer.  
Outro obstáculo está na ignorância e nas ideologias. A origem da miséria e da injustiça são acobertadas pelos meios de comunicação, escolas e universidades, o motivo: Mamon. Parafraseando Racionais: "Deus é uma nota de cem".
Exílio não é coisa da Bíblia, vivemos exilados em nossa pátria. Nossas práticas são alienadas e ideológicas, não há espaço para o que Rubem Alves chamou de humanismo político, ou seja, o ser humano constituinte do seu próprio amanhã, sem as algemas do comum, sem o olhar para o preexistente. Não somos livres, estamos aprisionados ao sistema. O universo clama por profetas!  


terça-feira, 26 de agosto de 2014

A ORAÇÃO DO PÃO COMO ESPERANÇA DE UMA COMUNIDADE

A oração é algo essencial na vida dos discípulos de Jesus. Sua eficácia é poderosa, pois muda o nosso coração. Quando diante dos problemas e da angústia da vida, a oração é o oxigênio da esperança. Esperança de mudança pela intervenção divina, pela providência soberana.
Quando Mateus inclui a oração do pai nosso em seu evangelho, certamente, tinha como destinatário uma comunidade que buscava respostas para alguns questionamentos. E talvez um destes questionamentos fosse: como devemos orar? A esta pergunta já existia reposta, Jesus havia ensinado seus discípulos (Mt. 6.9).
Pode-se intuir que, por detrás de uma simples fala de Jesus, quando ensinando seus discípulos acerca da oração, há uma infinidade de possibilidades hermenêuticas. Desta forma, chamo a atenção para o pão. Jesus diz: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Para mim, este pão é a esperança para uma comunidade. Entretanto, como se dá esta esperança?
Primeiro, o pão é nosso e não meu. Ao ensinar seus discípulos, Jesus não fala de um pão singular, mas de um pão coletivo. É o pão do qual toda humanidade tem por direito divino. A Bíblia diz que do Senhor é a terra, e é dela que vem à possibilidade do pão. Desta forma, Jesus está mais do que ensinando seus discípulos a pedir o pão, ele está ensinando seus discípulos a socializar e repartir o pão. O pão, assim como a terra, é providência divina para suprir a necessidade de todos, e não somente de alguns.
Segundo, o pão é o de cada dia. O pão é algo perecível, ainda hoje com a possibilidade de conserva-lo por um determinado tempo maior, ainda sim seu estado perfeito é de no mínimo um dia e no máximo dois. Sendo assim, mais do que ensinar seus discípulos a pedir a Deus que supra a necessidade diária, Jesus está ensinando que o pão não é para ser armazenado ou retido, pois o pão que é retido, perde seu estado essencial e já não tem mais utilidade.
Portanto, reter o pão, é reter a providência divina para com os necessitados. É promover a fome e a necessidade daquele que precisa.
A ideia do pão como esperança para uma comunidade é a partir de uma consciência comunitária que entende que, mais do que esperar e receber a providência divina é repartir estas mesmas providência com mundo. Certamente, nas comunidades que receberam o evangelho de Mateus, havia problemas tais como conhecemos hoje: individualismo, indiferença e egoísmo.
Assim, mais do que ensinar os discípulos a orar abstratamente (só de palavras), Jesus ensina a concretizar na existência da comunidade uma oração acompanhada pela ação, e sem dúvidas, neste caso, a ação é olhar para o outro a partir de si mesmo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Lucas 10.27)

                                                                                        Seminarista Marcelo H. Romeu


sábado, 5 de julho de 2014

LIBERDADE DE ESCOLHAS- PARTE II

UMA ESCOLHA TEOLÓGICA 
Ser livre para escolher é certamente um atributo concedido pelo Deus Criador ao ser humano inteligente e racional. Exemplo disso é Adão e Eva, os pais da humanidade, que livremente puderam escolher entre conhecer o bem e o mal.  A eles, não foi imposto nada arbitrariamente, pelo contrário, foram incitados por satanás que lhes mostrou as consequências de comer do fruto proibido. Assim, come-lo foi resultado da senhora escolha; escolha de viver as consequências, no caso deles, o ideal de serem iguais a Deus, conhecedores do bem e do mal. Objetivos e ideais nada ingênuos para uma primeira escolha. Entretanto, falar da escolha, dos objetivos e dos ideais de Adão e Eva seria algo infinitamente distante da nossa realidade hoje, se por detrás de nossas escolhas também não existissem ideais e objetivos a exemplo deles.
Escolhas nunca são neutras ou ingênuas, é preciso escolher bem para desfrutar das oportunidades que elas proporcionam. Assim, a liberdade de escolha, quase sempre, é pautada em ideais e objetivos a serem alcançados e estes sempre as condicionam, nem por isso deixamos de ser livres para escolher. Os provérbios, como citado anteriormente, sintetizam muito bem esta afirmação: “Não sejas sábio aos teus próprios olhos; teme ao SENHOR e aparta-te do mal; será isto saúde para o teu corpo e refrigério, para os teus ossos” (Pro 3.7-8). Por um lado, o ideal é ter saúde, refrigério para o corpo e para os ossos. Por outro lado, para se alcançar este ideal, é necessário não ser sábio aos próprios olhos e temer ao Senhor, ou seja, escolha condicionada pelo ideal, pois já se sabe as consequências dela. Tudo isso para falar um pouco de teologia, ou melhor, teologias.
Antes de falarmos de teologia é preciso que se esclareça de antemão o que de fato é teologia. Teologia não é estudo sobre Deus, mas estudo das revelações de Deus. Desta forma, por meio da revelação, hipoteticamente se diz algo sobre Ele. Esclarecido o termo, podemos caminhar de maneira humilde e segura, pois reproduzindo Paul Tillich, tudo o que podemos atribuir a Deus não passa de símbolos, ou seja, codificamos os eventos da revelação em linguagem e assim, parcialmente e superficialmente, conhecemos um pouco do que Deus pode ser. O apóstolo Paulo, precursor da teologia cristã, também compreendia desta forma, pois diz: Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? (Rom. 11:34-35). Todavia, o que teologia tem haver com liberdade de escolha? Tudo.
A Bíblia é um livro de teologia e um livro de fé. É preciso ter fé para aceitar que, homens e mulheres, antes de nós, compreenderam e vivenciaram a revelação de Deus na história e atribuíram ao divino uma infinidade de acontecimentos. Sobretudo, é preciso ter fé num amontoado de textos que carregam em si percepções sobre o criador e salvador que, por vezes, se complementam e se contradizem no processo de compreensão finito-humano. É preciso ter fé para aceitar um Deus que se fez carne e que não existe prova sobre ele- se não a nossa própria vida que é transformada pelo invisível, e isso evidência pela fé sua existência. Viver por fé, não a aquisição dela, é uma livre escolha e muitos escolheram rejeitar e abandona-la (se é que tiveram) por suas consequências.
 Assim, voltando à teologia, penso que o ser humano precisa aceitar a falta de compreensão sobre temas que pertencem único e exclusivamente ao divino, mas que, por vezes, são tidos como algo desmistificado e plenamente revelado por alguns. Não pretendo dizer que se abandonem os estudos da revelação, pelo contrário, desejo dizer que se abandone a arrogância de achar que uma ou outra interpretação esteja correta e usa-las como meio de rejeição e exclusão dos outros. É preciso compreender que no âmbito da teologia existe a necessidade de se tomar partido sobre uma ou outra linha de pensamento, ou seja, é necessário exercer a liberdade de escolha no  pensar teológico.
O fato é que, qual cristão, por mais leigo que seja, nunca se viu interessado ou nunca ouviu dizer sobre o processo salvífico de Deus. Talvez, em se tratando deste mistério, os presbiterianos saibam afirmar categoricamente que a salvação é somente para os eleitos-predestinados. Por outro lado, há aqueles que dirão que a salvação é para todos aqueles que crerem em Jesus Cristo e não somente para os predestinados de antemão. Há àqueles que dirão que todos serão salvos.
Existe, também, a discussão sobre o processo inicial de salvação, ou seja, se é Deus quem se dirige ao ser humano para salvar ou o ser humano por si só reconhece seu pecado e dirige-se a Deus. Sem dúvida, são mistérios, mas que pela revelação pretende-se revela-los. Para mim, impossível, visto que a bíblia apoia tanto um como outro. Assim, deveríamos recorrer à escolha livre e pessoal.
Entretanto, ao se falar de teologia, o que me angustia é que, desde sempre, se tem escolhido pelo método mais coercitivo e alienante possível. Nos dias de hoje, de maneira ainda mais repugnante.
Teologia, se mal aplicada, é uma arma letal para consciência. Recorrer ao divino, sobretudo, apoiar os argumentos no sagrado foi e tem sido uma estratégia e tanto para conduzir as ovelhas ao terrorismo psicológico, às chantagens emocionais e a lavagem de consciência. Convivemos com títulos intrinsicamente ligados a relação direta com o divino, tais como: apóstolos contemporâneos de Jesus Cristo, patriarca do Senhor, ungido de Deus; o que dizer de pessoas com tamanho relacionamento com o misterioso e o sagrado. Assim, são eles os plenos detentores dos mistérios de Deus que a nós, meros mortais, ainda permanecem ocultos. São eles os aptos a interpretar a revelação e a difundir a verdadeira teologia. São pessoas tão espirituais que, por vezes, se hospedaram por alguns dias, tanto no céu, como no inferno. Quem somos nós perto destes irmãos. Estão errados teologicamente? Não. Construíram suas próprias hipóteses sobre o que pensam ser a revelação e escolheram crer desta forma, se por um ideal-objetivo, cabe a nossa interpretação.
Teologia é e sempre será uma escolha, uma escolha que lhe dê possibilidades de um melhor relacionamento com Deus, uma escolha que lhe traz paz de consciência e espírito. Não há certo ou errado. Não há quem conheça mais, ou menos do divino. Há quem interprete a revelação de Deus segundo a sua consciência e revelação divina. Desta forma, faço minha própria escolha, escolho fazer teologia a partir do Deus encarnado (Jesus), que para mim, para João e para o autor do livro de Hebreus, ele é a expressão exata do ser de Deus e quem o vê, também vê o pai (Jo.14.9-Heb. 1.3). Prefiro fazer teologia a partir do ideal de ser discípulo do Mestre, sendo constrangido dia após dia a amar, a perdoar, a respeitar, a incluir, a pregar, ou seja, ser alguém melhor, viver uma novidade de vida. Sou eu o certo? Não. Esta é minha escolha. 
Assim, para mim, não é possível aceitar radicalismos, fundamentalismo e esoterismos teológicos. Não é possível aceitar modelos prontos e muito menos verdades autoritárias. Não é possível aceitar listas do que tenho ou não que fazer, não é possível aceitar diabologia, ou seja, teologia, para minha concepção, mentirosa. Não é possível aceitar a prisão de um Deus infinito em uma consciência finita. São eles errados e eu certo? Não. Apenas faço minha escolha segundo a minha consciência.
Tenho para mim que, teologia é um meio de graça e não de desgraça. Desta forma, faço escolha sem medo de errar e sem ter a pretensão de provar ser o certo ou o errado, mas minha escolha é e sempre será para preservar minha liberdade e para servir melhor ao Senhor Jesus, mesmo que condicionado pelas consequências. Continua.......



sexta-feira, 4 de julho de 2014

LIBERDADE DE ESCOLHAS- PARTE I

Há um provérbio que diz: “somos frutos de nossas escolhas” e sem dúvida quem ousou dize-lo muito sabia e conhecia do desenrolar histórico e existencial da vida humana. Nunca fui fã de provérbios, antes, sempre tive a concepção de ser algo relativo, arrogante e distante da minha realidade e de outros.
Todavia, ao me debruçar sobre provérbios como: “o temor do SENHOR é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino” (Pro 1.7); “porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será agradável à tua alma” (Pro 2.10); “o que confia no seu próprio coração é insensato, mas o que anda em sabedoria será salvo” (Pro 28.26) penso que mudei minha concepção sobre eles.
Provérbios são princípios contemplativos e empíricos da relação humana com o mundo e com o outros, ou seja, nasce da leitura da realidade circundante e estão profundamente relacionados ao procedimento da escolha. Assim, o sábio conhece o fim do ignorante pelo fato de suas escolhas no presente (algo encantador).
Feliz o ser humano que não anda no conselho dos ímpios, não fica parado no caminho dos pecadores e nem se assenta na roda dos escarnecedores. Feliz é aquele que tem prazer na lei do Senhor e a sua lei produz nele sabedoria e, por meio dela, será como árvore plantada junto a canais de águas e que, no tempo certo, produzirá muitos frutos. Penso que já leu ou ouviu este oráculo de sabedoria e escolha alguma vez. Assim, baseado neste e em outros muitos princípios, grafados ou orais, não tenho dúvida: sabedoria e escolha andam juntas ou ao menos deveriam andar. Da sabedoria provém a escolha e a escolha incorpora e interpreta a sabedoria.
Entretanto, me angustia a tola espiritualização das escolhas e dos erros do presente, sempre por motivo da ausência de sabedoria e péssimas escolhas. De fato, é sempre mais fácil lançar sobre o divino as culpas, pois o inesperado e inaceitável nasce sempre a partir de uma força superior. Tal concepção implica em dizer que escolher é para os sábios? Não. Escolher é para os livres. Já dizia os existencialistas: a liberdade para escolher gera angústia, pois toda escolha produz consequências. Por um lado, ser livre para escolher é um atributo humano, tanto para o bem, como para o mau. Por outro lado, assumir as consequências é divino-humano. Sartre, ao dizer a respeito da liberdade disse: “estamos condenados a ser livres”.
 Tudo isso para dizer: não culpe Deus por suas escolhas ou pelo status quo, viver o fruto de suas escolhas nada tem haver com a vontade divina ou com o sagrado, mas com sua finitude e liberdade de poder escolher (este pensamento é uma livre escolha). Continua........