quinta-feira, 11 de junho de 2015

NÃO SOU JUIZ, MAS SERVO





“Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” Mt.6.12.

O cristianismo tem por fundamento Jesus, o messias, o Cristo de Deus. Ainda segundo o cristianismo, Jesus é o filho de Deus, segunda pessoa da santíssima trindade e, sobretudo, o Deus encarnado. Estas e outras concepções é fruto de uma leitura milenar da Bíblia, livro que contém as revelações de Deus na história, bem como a revelação do filho, “expressão exata do ser de Deus”.

Há muitos caminhos para a leitura da Bíblia, pois ler e interpretar passa pela minha subjetividade, minhas experiências, meus anseios e, por isto, a Bíblia sempre foi um paradigma importante no movimento da história, da cultura de um povo, nas relações sociais, relações politicas e relações religiosas. Pelo viés da interpretação bíblica se condenou a mulher, o índio, o negro, o pobre, o rico.

Contudo, frente aos fatos e aos posicionamentos destes últimos dias, fico me perguntando se Jesus está dividido ou se as lentes para interpretação dos textos bíblicos estão desfocadas?

Se partirmos do pressuposto de que na Bíblia encontra-se o fundamento de nossos argumentos para julgarmos ou punirmos o comportamento moral e ético de quem quer que seja, talvez estejamos sendo injusto ao texto e ao Senhor implícito na mensagem dele.

A oração do Pai nosso é parte importante na liturgia dos cultos cristãos. Para mim, esta oração transcende o ato subjetivo de tão somente se dirigir a Deus uma palavra de oração; ela traz em seu conteúdo imperativos de natureza prática.

Para Jesus, no evangelho de Mateus, alguém somente será perdoado se perdoar- Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores- não pode ser perdoado por Deus àquele que não perdoa seu irmão.

Certamente, Jesus tinha muitos motivos para incitar o perdão aos seus discípulos. O contexto em que Jesus está inserido é de total exclusão, punição, desigualdade. Os pobres, os doentes, os impuros, eram condenados pelos juízes da religião. Desta forma, não tenho dúvidas de que os discípulos esperavam ouvir da boca de Jesus que, mesmo odiando, mesmo excluindo, mesmo julgando, mesmo oprimindo, eles ainda assim poderiam ser perdoados por Deus. Entretanto, Jesus é incisivo em dizer, quem não perdoa e, consequentemente, quem não cuida, quem não ama, não pode ser perdoado.

Por isto, os capítulos 5 e 6 de Mateus são tão explícitos em afirmar que os discípulos de Jesus devem ser avessos ao sistema. Textos como: “porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (5.20); “porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo”? (5.46-47) De fato, textos como estes traduzem o que estamos afirmando, ser discípulo de Jesus é quebrar paradigmas e dogmas impostos pelo poder vigente.

Portanto, condenar um transexual pelo uso de um símbolo do qual o cristianismo se apropriou é fazer do cristianismo uma religião apenas da moral e não do amor. Ser discípulo de Jesus é algo complexo não só porque devemos cumprir com a lista dos não (plural), mas por ter que seguir os dois sim- ame a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Julgar, condenar, excluir, oprimir é sempre o mais simples para seres maus como nós, difícil mesmo é viver o avesso, assim como Jesus viveu.

Com este texto não quero propor uma única chave de interpretação  para a oração do Pai Nosso, mas dizer que nesse versículo e em toda a Bíblia, só consigo enxergar um Deus que decidiu amar e cuidar de pessoas; enxergar um Deus que não leva em consideração a cor, a classe social e, inclusive o gênero; só consigo enxergar um Deus que desceu para salvar pessoas desprezíveis como eu e você; por isto, não sou juiz, mas servo deste Deus de amor e graça.

“Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” Mt. 5.39