UMA ESCOLHA TEOLÓGICA
Ser livre para escolher é certamente um
atributo concedido pelo Deus Criador ao ser humano inteligente e racional.
Exemplo disso é Adão e Eva, os pais da humanidade, que livremente puderam escolher
entre conhecer o bem e o mal. A eles,
não foi imposto nada arbitrariamente, pelo contrário, foram incitados por
satanás que lhes mostrou as consequências de comer do fruto proibido. Assim, come-lo
foi resultado da senhora escolha; escolha de viver as consequências, no caso
deles, o ideal de serem iguais a Deus, conhecedores do bem e do mal. Objetivos
e ideais nada ingênuos para uma primeira escolha. Entretanto, falar da escolha,
dos objetivos e dos ideais de Adão e Eva seria algo infinitamente distante da
nossa realidade hoje, se por detrás de nossas escolhas também não existissem
ideais e objetivos a exemplo deles.
Escolhas nunca
são neutras ou ingênuas, é preciso escolher bem para desfrutar das oportunidades
que elas proporcionam. Assim, a liberdade de escolha, quase sempre, é pautada
em ideais e objetivos a serem alcançados e estes sempre as condicionam, nem por
isso deixamos de ser livres para escolher. Os provérbios, como citado
anteriormente, sintetizam muito bem esta afirmação: “Não sejas sábio
aos teus próprios olhos; teme ao SENHOR e aparta-te do mal; será isto saúde
para o teu corpo e refrigério, para os teus ossos” (Pro 3.7-8). Por um lado, o
ideal é ter saúde, refrigério para o corpo e para os ossos. Por outro lado,
para se alcançar este ideal, é necessário não ser sábio aos próprios olhos e
temer ao Senhor, ou seja, escolha condicionada pelo ideal, pois já se sabe as consequências
dela. Tudo isso para falar um pouco de teologia, ou melhor, teologias.
Antes de falarmos de teologia é preciso que se esclareça de antemão o que
de fato é teologia. Teologia não é estudo sobre Deus, mas estudo das revelações
de Deus. Desta forma, por meio da revelação, hipoteticamente se diz algo sobre Ele.
Esclarecido o termo, podemos caminhar de maneira humilde e segura, pois reproduzindo
Paul Tillich, tudo o que podemos atribuir a Deus não passa de símbolos, ou
seja, codificamos os eventos da revelação em linguagem e assim, parcialmente e
superficialmente, conhecemos um pouco do que Deus pode ser. O apóstolo Paulo, precursor da teologia
cristã, também compreendia desta forma, pois diz: Quem, pois,
conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu
a ele para que lhe venha a ser restituído? (Rom. 11:34-35). Todavia, o que
teologia tem haver com liberdade de escolha? Tudo.
A Bíblia é um livro de teologia e um livro de fé. É preciso ter fé para
aceitar que, homens e mulheres, antes de nós, compreenderam e vivenciaram a
revelação de Deus na história e atribuíram ao divino uma infinidade de
acontecimentos. Sobretudo, é preciso ter fé num amontoado de textos que
carregam em si percepções sobre o criador e salvador que, por vezes, se
complementam e se contradizem no processo de compreensão finito-humano. É
preciso ter fé para aceitar um Deus que se fez carne e que não existe prova
sobre ele- se não a nossa própria vida que é transformada pelo invisível, e
isso evidência pela fé sua existência. Viver por fé, não a aquisição dela, é
uma livre escolha e muitos escolheram rejeitar e abandona-la (se é que tiveram)
por suas consequências.
Assim, voltando à teologia, penso
que o ser humano precisa aceitar a falta de compreensão sobre temas que pertencem
único e exclusivamente ao divino, mas que, por vezes, são tidos como algo
desmistificado e plenamente revelado por alguns. Não pretendo dizer que se abandonem
os estudos da revelação, pelo contrário, desejo dizer que se abandone a
arrogância de achar que uma ou outra interpretação esteja correta e usa-las
como meio de rejeição e exclusão dos outros. É preciso compreender que no
âmbito da teologia existe a necessidade de se tomar partido sobre uma ou outra
linha de pensamento, ou seja, é necessário exercer a liberdade de escolha no pensar teológico.
O fato é que, qual cristão, por mais leigo que seja, nunca se viu interessado
ou nunca ouviu dizer sobre o processo salvífico de Deus. Talvez, em se tratando
deste mistério, os presbiterianos saibam afirmar categoricamente que a salvação
é somente para os eleitos-predestinados. Por outro lado, há aqueles que dirão
que a salvação é para todos aqueles que crerem em Jesus Cristo e não somente
para os predestinados de antemão. Há àqueles que dirão que todos serão salvos.
Existe, também, a discussão sobre o processo inicial de salvação, ou seja, se
é Deus quem se dirige ao ser humano para salvar ou o ser humano por si só
reconhece seu pecado e dirige-se a Deus. Sem dúvida, são mistérios, mas que
pela revelação pretende-se revela-los. Para mim, impossível, visto que a bíblia
apoia tanto um como outro. Assim, deveríamos recorrer à escolha livre e pessoal.
Entretanto, ao se falar de teologia, o que me angustia é que, desde sempre,
se tem escolhido pelo método mais coercitivo e alienante possível. Nos dias de
hoje, de maneira ainda mais repugnante.
Teologia, se mal aplicada, é uma arma letal para consciência. Recorrer ao
divino, sobretudo, apoiar os argumentos no sagrado foi e tem sido uma
estratégia e tanto para conduzir as ovelhas ao terrorismo psicológico, às
chantagens emocionais e a lavagem de consciência. Convivemos com títulos intrinsicamente
ligados a relação direta com o divino, tais como: apóstolos contemporâneos de
Jesus Cristo, patriarca do Senhor, ungido de Deus; o que dizer de pessoas com
tamanho relacionamento com o misterioso e o sagrado. Assim, são eles os plenos
detentores dos mistérios de Deus que a nós, meros mortais, ainda permanecem ocultos.
São eles os aptos a interpretar a revelação e a difundir a verdadeira teologia.
São pessoas tão espirituais que, por vezes, se hospedaram por alguns dias,
tanto no céu, como no inferno. Quem somos nós perto destes irmãos. Estão
errados teologicamente? Não. Construíram suas próprias hipóteses sobre o que
pensam ser a revelação e escolheram crer desta forma, se por um ideal-objetivo,
cabe a nossa interpretação.
Teologia é e sempre será uma escolha, uma escolha que lhe dê possibilidades
de um melhor relacionamento com Deus, uma escolha que lhe traz paz de
consciência e espírito. Não há certo ou errado. Não há quem conheça mais, ou
menos do divino. Há quem interprete a revelação de Deus segundo a sua
consciência e revelação divina. Desta forma, faço minha própria escolha, escolho fazer teologia a
partir do Deus encarnado (Jesus), que para mim, para João e para o autor do
livro de Hebreus, ele é a expressão exata do ser de Deus e quem o vê, também vê
o pai (Jo.14.9-Heb. 1.3). Prefiro fazer teologia a partir do ideal de ser
discípulo do Mestre, sendo constrangido dia após dia a amar, a perdoar, a respeitar,
a incluir, a pregar, ou seja, ser alguém melhor, viver uma novidade de vida. Sou
eu o certo? Não. Esta é minha escolha.
Assim, para mim, não é possível aceitar radicalismos, fundamentalismo e
esoterismos teológicos. Não é possível aceitar modelos prontos e muito menos
verdades autoritárias. Não é possível aceitar listas do que tenho ou não que
fazer, não é possível aceitar diabologia, ou seja, teologia, para minha
concepção, mentirosa. Não é possível aceitar a prisão de um Deus infinito em
uma consciência finita. São eles errados e eu certo? Não. Apenas faço minha
escolha segundo a minha consciência.
Tenho para mim que, teologia é um meio de graça e não de desgraça. Desta
forma, faço escolha sem medo de errar e sem ter a pretensão de provar ser o certo
ou o errado, mas minha escolha é e sempre será para preservar minha liberdade e
para servir melhor ao Senhor Jesus, mesmo que condicionado pelas consequências. Continua.......