domingo, 9 de novembro de 2014

JOSÉ: A VERGONHA EM PROL DO AMOR


Qualquer indivíduo que se proponha a ler o Novo Testamento é comum que inicie pelo primeiro evangelho, isto é, o evangelho de Mateus. De fato esta afirmação não é a regra, tendo em vista que cada evangelho e os demais livros da Bíblia têm autonomia e identidade própria.
Por outro lado, leitores assíduos da Bíblia, tendem a conhecer os temas e as ênfases de cada evangelho devido a recorrente meditação. Conhecem as estruturas dos livros, em que capítulo localiza-se cada tema e, por isso, tendem a generalização dos textos e das ênfases de cada autor.
Após a genealogia de Mateus, segue-se a história de Maria e José; história que também encontramos em Lucas (1.26), mas não encontramos em Marcos e João. No entanto, é evidente a singularidade de cada evangelho, ou seja, temos duas narrativas semelhantes, mas com ênfases diferentes. Sendo assim, queremos chamar atenção para a ênfase de Mateus, com relação à vida de José- pai de Jesus, na qual não encontramos em Lucas.
Assim nos diz Mateus: “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco). Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus”. (Mat 1:18-25)
As ênfases em relação ao comportamento de José, não se encontra no evangelho de Lucas. Assim, cabe ao leitor destes evangelhos perguntar: Por qual motivo isto acontece? Certamente a resposta é que Mateus tinha muito mais a dizer sobre José do que Lucas, ou seja, o comportamento de José tinha mais a ensinar a comunidade de Mateus do que a comunidade de Lucas.
Mateus escreve a uma comunidade de Judaizantes, isto é, judeus que se converteram ao Senhor Jesus. Entretanto, ainda era uma comunidade muito influenciada pela cultura e pensamento judaico. Seu evangelho, e especialmente a narrativa acima, tem objetivos específicos quando relata que José não havia despojado (relação sexual) Maria, mas que ela encontrava-se grávida. Sobretudo, quando enfatiza que José arquitetou um plano para deixa-la secretamente. Portanto, cada ênfase sobre a vida e comportamento de José carregam objetivos específicos para a comunidade de Mateus.
A narrativa diz que a intenção de José era não infamar a mulher que ele amava. Esta atitude revela uma mensagem brilhante, pois abandonando José sua esposa, a sociedade não atentaria tanto para o fato de uma jovem “virgem” ter engravidado, mas atentaria para o fato de um judeu ter engravidado sua esposa e secretamente abandona-la, demonstrando covardia. Portanto, a intenção de José era transferir as calunias e condenações que seriam atribuídas a Maria. Mais do que isso, por uma questão de raciocínio lógico, os judeus concluiriam que Maria havia traído José com outro homem e, segundo a lei, deveria ser apedrejada e morta. Assim, com a fuga, José livraria Maria desta condenação. 
Portanto, uma hermenêutica possível para a ênfase de Mateus, seria instruir os judaizantes para que atentassem para a necessidade de proteção e de amor para com as mulheres. Numa sociedade patriarcalista e machista, José poderia ser vítima nessa história; entretanto, sua atitude foi de preservar a mulher que amava. Sofreria vergonha em prol do amor por Maria.
Ao sonhar com o anjo do Senhor, José desistiu da fuga; resolveu enfrentar a vergonha cultural e religiosa em prol da ação e dos planos de Deus. Após ser constrangido pelo anjo, não hesitou em assumir seu propósito, pois “tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)” (Mat 1:22-23). José aceitou Maria, tomou sobre si a vergonha e não se importou com as possíveis calunias que seriam desferidas pelos judeus, antes prosseguiu por amor a obra de Deus e a sua amada. Confiou nas palavras do anjo, e não se importou com o que a sociedade diria a seu respeito.
Assim sendo, uma hermenêutica possível em relação a esta ênfase de Mateus, seria desafiar a comunidade de judaizantes a sofrer a mesma vergonha em prol do amor por Cristo e dos planos de Deus. Certamente, estes judaizantes foram envergonhados e perseguidos pela ortodoxia judaica, e o desafio de Mateus era fazer com que permanecessem fiéis ao Senhor, mesmo que para isso fossem envergonhados, assim como foi José.
Os evangelhos, para nós cristãos, são considerados palavra de Deus. Assim, estas mesmas ênfases e objetivos de Mateus em relação aos judaizantes, trazem profundas lições para nós, igreja do Senhor Jesus.
José tomou sobre si a vergonha para preservar sua noiva Maria. Da mesma forma, a igreja do Senhor Jesus é chamada nas Escrituras de Noiva do Cordeiro (Ap.19.7; 21.2,9). Também, José ouviu as palavras do anjo de Deus e, por amor ao Senhor, aceitou os seus planos. Assim, duas perspectivas devem ser objetos de nossa reflexão:

  • ·         Até que ponto estamos dispostos a lutar e se envergonhar por amor a igreja (noiva de Cristo).
  • ·         Até que ponto estamos dispostos a se envergonhar por amor a Deus e ao seu Reino.
Para Mateus, a vergonha faz parte da realidade daqueles que amam o Senhor Jesus. Por outro lado, entende que são “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus [...] Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados são quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós (Mt.5).  

    
   





  






terça-feira, 4 de novembro de 2014

CONVERSA TEOLÓGICA ENTRE PAI E FILHO





Filho: Papai, por que é que nós vamos à igreja?

Pai: Porque a igreja é a casa de Deus.

F: Mas as igrejas são muitas, qual delas é a casa de Deus mesmo? Ninguém pode morar em muitas casas ao mesmo tempo.

P: Deus pode, ele mora em muitas casas ao mesmo tempo.

F: Ele mora inteiro em cada uma delas, ou só um pedaço?

P: Mora inteiro, Deus não tem pedaços.

F: Se a igreja é a casa de Deus, quer dizer que fora da igreja, Deus não mora?

P: Não, Deus mora em todos os lugares.

F: Também na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos?

P: Sim, também na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos.

F: E na nossa casa, Deus mora lá também?

P: Na nossa casa Deus está sempre.

F: Se Deus está sempre na nossa casa, na lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos, então todo lugar é a casa de Deus. Se todo lugar é a casa de Deus, porque é necessário ir a igreja para encontrar Deus?

P: Na igreja Deus é mais poderoso.

F: Então há lugares em que Deus é mais poderoso e outros lugares onde ele é menos poderoso?

P: Sim, há lugares onde Deus é mais poderoso. Nos lugares onde Deus é mais poderoso é mais fácil acontecer milagres. É por isso que as pessoas de fé fazem longas peregrinações a pé, a cavalo, de ônibus, de avião, aos lugares onde Deus é mais poderoso, para receberem milagres.

F: É pra receber milagres que as pessoas procuram Deus? Se Deus não fizesse milagres as pessoas continuariam a procurar Deus?

P: Bem...

F: O Deus mais fraco é o mais fraco mesmo? Ele é mais fraco que o Deus mais forte? Então o Deus mais forte é mais Deus que o Deus mais fraco? Reza que se faz em casa é mais fraca? Deus atende menos?

P: ...

F: O Deus mais fraco é tanto Deus quanto o Deus mais forte?

P: Sim, ambos são Deus.

F: Eu pensava que Deus era forte sempre, igual, na lua, na rua, na igreja, na casa, na favela, nas prisões. Deus está também nas prisões?

P: Deus está em todo lugar. Também nas prisões.

F: Se Deus é tão forte e pode ser tudo o que deseja, porque ele não faz os maus ficarem bons? Se Deus está junto com eles, nas prisões, eles deveriam ficar bons...

P: Isso eu não sei...

F: Eu gostaria que Deus estivesse com a mesma força em todos os lugares. Se Deus é todo-poderoso e sabe todas as coisas, ele não poderia ter evitado o tsunami, os furacões, os terremotos, a corrupção? Vejo na televisão, homens corruptos fazendo peregrinações...

P: Filho, estou com fome. Vamos comer um hambúrguer com Coca-Cola?

(Extraído do livro: o Deus que conheço-Rubem Alves